segunda-feira, 14 de junho de 2010

A ABRANGÊNCIA DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA

Devem ser definidos, de antemão, os tipos de relações que interessam para o tema responsabilidade administrativa: administração/administrado, administração/contratado; administração/administrador público.
Nos ateremos à relação administração/administrador público. Seria este responsável pelos atos de seus subordinados perante a administração pública ?
Muitos imputam a tal ordem de agente público a responsabilidade pelos atos de seus subordinados, com base na teoria do risco administrativo. Por esta teoria, assume o administrador o risco in actu exercitu. Não concordamos com a aplicação desta teoria ao caso sob estudo, pois entendemos que tal construção foi elaborada visando a atuação da administração pública, e não do administrador, servindo de base a conseqüente responsabilização objetiva por danos causados aos administrados
Outros ainda, fundamentam a responsabilização do administrador pelos atos de seus servidores na teoria da culpa civil. Sustentam a culpa in eligendo e a culpa in vigilando. Dizem que se o administrador não possui uma responsabilidade objetiva, por conta do risco administrativo, possui, ao menos, a culpa por eleger mal (nos casos dos nomeados em cargo em comissão ou dos designados para determinada tarefa ou função) e a culpa em vigiar mal o exercício das funções designadas, delegadas ou desempenhadas pelos seus servidores.
Realmente, tal teoria é de grande valia quando estamos diante de relações jurídicas onde se pretende tutelar interesses de hipossuficientes. Assim acontece nas relações de consumo e nos contratos de trabalho, onde os consumidores e trabalhadores estão em nítida situação de desvantagem nas relações jurídicas em que figuram nesta condição. O fabricante responde por danos causados aos consumidores por produtos seus falsificados, por ter obrigação de vigiar a sua marca, assim como o empreiteiro principal responde pelas obrigações trabalhistas do subempreiteiro para com os seus empregados, por ter escolhido mal e/ou vigiado mal o seu contratado, acarretando dano aos trabalhadores.
No campo da administração pública, não há como imputar a esta o condão de hipossuficiência, a ponto de ter o administrador tamanha responsabilização, nem como uma responsabilidade objetiva. Conforme exposto no tópico anterior, pensar desta forma é atribuir responsabilidade (obligatio) ao administrador, sem perquirir a existência de culpa pela prática do ato lesivo, ou como dizem, culpá-lo pelo risco in actu exercitu. Tal responsabilização somente pode ocorrer em decorrência expressa da lei, como o fez o art. 932 c/c art. 942, parágrafo único, ambos do Código Civil.
Reforçando este entendimento, trazemos à colação importante dispositivo legal. Trata-se do art. 80, §2o do Decreto-Lei 20/67, onde está consignado que "o ordenador de despesa, salvo conveniência, não é responsável por prejuízos causados à Fazenda Nacional decorrentes de atos praticados por agente subordinado que exorbitar das ordens recebidas", o que nos faz pensar que o legislador não albergou a culpa in vigilando do ordenador.
Ou seja, não há, em princípio, responsabilidade do ordenador de despesa pelos atos dos seus subordinados que exorbitem das ordens recebidas, demonstrando que a sua responsabilização decorre da comprovação de culpa.
Analisemos a lei de Ação Popular (Lei 4.717/65). Tal lei tem por escopo a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido, ou concorra, com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita ânua de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos (art. 1o da Lei 4.717/65).
Sendo o objeto de tal lei a declaração ou anulação de atos lesivos ao patrimônio público, devemos, antes de prosseguir, deixar consignado quem são os seus legitimados passivos, dado que tal processo não tem índole objetiva, como se passa como a ação direta de inconstitucionalidade.

O art. 6° da Lei 4.717/65 define os legitimados passivos, verbis:

"Art. 6o - A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1°, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo."
Assim, por conta do dispositivo acima, em especial o texto sublinhado, já podemos identificar uma visão excludente da responsabilidade objetiva. Em se tratando de responsabilidade solidária, esta não aparece desatrelada de outros elementos para sua configuração. Exige o dispositivo que tais administradores (trataremos somente destes, por serem o cerne do nosso estudo) tenham tomado uma atitude positiva, autorizando, aprovando, ratificando ou praticando o ato, e quando por omissão, tenham dado oportunidade a lesão. A omissão no caso, se demonstra pela não-prática de ato que deveria proceder. Se age com negligência, imprudência ou imperícia, desnecessário qualquer comentário quanto a sua responsabilização, posto que nestas hipóteses descumprem um dever legal de cuidado.
Se não participam de nenhuma forma para a ocorrência do ato danoso, se não praticam nenhuma das ações previstas no art. 6o, não podem ser configurados como responsáveis, razão pela qual não poderemos falar em solidariedade.
Não estamos neste ponto do trabalho sustentando que a solidariedade entre administrador e subordinados nunca existirá, contudo, alguns elementos devem ser configurados para que tal ocorra.
Avancemos o nosso estudo na mesma lei. Posteriormente, no seu art. 11, estabelece:
"Art. 11 - A sentença que julgando procedente a ação popular decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa."
Notemos que a parte sublinhada garante ao administrador ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, desde que seja o responsável pela sua prática, tendo o autorizado, aprovado, ratificado ou praticado. Sem a ocorrência de nenhuma destas condutas, não há como lhe imputar responsabilidade.
Estamos com Sérgio Sérvulo da Cunha, em seu esclarecedor artigo (7) quando assevera que:
"Essa filiação indevida da responsabilidade do administrador público à responsabilidade civil patrimonial (indevida face aos princípios da responsabilidade extradisciplinar, face à sua ilimitação e desproporção) explica-se não só pela irreflexão decorrente do hábito - que contaminou de direito civil o direito administrativo-, mas pelo vulto da corrupção na administração pública, e pela negatividade cada vez maior que a imagem da classe política e do administrador público vem assumindo perante a opinião pública. O resultado é paradoxal quando o que se pretende, na verdade, é a valorização da função pública.
Por isso, a doutrina não pode ficar alheia a tais distorções; é seu dever configurar de maneira própria a responsabilidade do administrador público; se não houve culpa deste, não se pode responsabilizá-lo; impossível dimensionar-lhe a responsabilidade segundo a capacidade de uma mente omisciente, fazendo-se presumir sua culpa em qualquer ato da administração; e se não houve enriquecimento ilícito ou o favorecimento de terceiros, não se pode falar em responsabilidade patrimonial".

Fonte: CAETANO, Fabiano de Lima. Responsabilidade solidária do administrador público. Pressupostos e limites. Disponível em: .

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