quinta-feira, 3 de junho de 2010

CONSIDERAÇÕES SOBRE A DESCENTRALIZAÇÃO MUNICIPAL


Inicialmente deve-se reconhecer que o termo descentralização é utilizado de diferentes modos e apresenta diferentes tipologias. A discussão aqui feita trata a descentralização como uma proposta de mudança intermunicipal de caráter político-administrativo. Neste sentido, associa-se a idéia de descentralização como uma estratégia de mudança não só administrativa, visando a melhoria da eficiência e da eficácia; como também uma estratégia de caráter político no sentido de abrir espaço para a participação dos níveis inferiores da organização e também de representantes do cidadão e dos grupos de interesse da sociedade. Segundo Almino (1986), descentralização implica em democratização na medida em que descentralização é entendida não apenas como delegação de funções, mas também como fragmentação do poder através das diferentes esferas sociais. Isto significa o rompimento da centralização do Estado em todas as formas de poder, de tal maneira que se o Estado se retrai, todas as classes têm o seu controle sobre o Estado aumentado ao mesmo tempo. Em outras palavras, a sociedade civil, ao organizar-se, aumenta sua participação no processo decisório do Estado e, em conseqüência disso, seu controle sobre as decisões do Estado como mecanismo para difusão e multiplicação das esferas de ação social. Cabe acrescentar que também se reconhece que em realidades como a brasileira, existem diferenças políticas, sociais e econômicas que podem afetar positivamente ou negativamente a relação entre diferentes classe e grupos de interesse com o Estado.
Seguindo em certo sentido esta concepção, que associa descentralização ao esforço de
democratização, o conceito de descentralização a ser adotado neste papel é o de Jacobi (1983), que o concebe como um meio de transferência de poder por parte do Poder central para as unidades subalternas. Isto significa dotar de competências e recursos os organismos intermediários para que eles possam desenvolver suas respectivas administrações de uma maneira mais eficiente, mais perto do cidadão e dos grupos sociais. Assim, qualquer Governo que pretenda implementar a descentralização deve definir qual modelo a ser utilizado, o alcance e a esfera de participação do cidadão e dos grupos sociais.
As formas de descentralização estão relacionadas com os serviços que serão descentralizados, os tipos de atividades que serão assumidas e com o staff no nível local, a organização política e as ações que serão desenvolvidas nas administrações regionais e nas suas regiões de atuação. Segundo Borja (1986) pode-se distinguir três formas de descentralização:
• Descentralização territorial – objetiva fazer com que os habitantes de uma região sejam representados através de eleição de pessoas para uma organização com autonomia sobre suas responsabilidades e uso dos seus recursos.
• Descentralização funcional – tipo de descentralização setorial que procura uma gerência pública mais flexível e ágil através do estabelecimento de organizações autônomas com o objetivo específico em determinado setor.
• Desconcentração – processo que estabelece pequenas unidades administrativas que não são nem autônomas nem representativas dos habitantes locais.
Entretanto, estas diferentes formas de descentralização apresentam alguns problemas. A desconcentração é uma forma limitada de descentralização, posto que as decisões permanecem sob o controle central e apenas decisões de implementação são descentralizadas (Conyers, 1983). Outros autores como Lobo, só considera descentralização aquele processo em que ocorre “redistribuição de poder, de deslocamento de centros decisórios” (Lobo, 1988:17).
No caso da descentralização funcional podem ocorrer casos em que elementos da comunidade que participam dos conselhos possam representar os grupos mais organizados da comunidade, relegando os setores desorganizados mas que também são afetados pelos serviços.
Segundo Smith (1985), no caso da descentralização territorial, nota-se que as experiências são caracterizadas pela delegação de poder, eleição indireta e recursos administrativos e financeiros limitados. A descentralização, como entendida aqui, possui um caráter territorial significando que a prefeitura seja dividida em unidades que devem tratar as suas respectivas regiões respeitando as suas especificidades econômicas, culturais, históricas e ecológicas.
Dada a perspectiva adotada aqui de que a descentralização significa uma redistribuição de poder e poder é algo de difícil ponderação, faz-se necessário considerar a descentralização como um fenômeno dinâmico “em vez de estático, oscilando e evoluindo continuamente entre uma maior unidade e uma maior diversidade” (Friedrich, 1963, apud Fesler, 1964). Isto implica que a descentralização deve ser analisada através de um continuum e, em conseqüência disso, a descentralização não pode ser vista como um processo absoluto e puro. Pode acontecer que dentro do Governo Municipal alguns departamentos tenham sido mais descentralizados que outros e a relação entre centro e periferia pode ser diferente de acordo com o que for descentralizado.
O processo de descentralização envolve basicamente três dimensões, que são a do processo decisório, a dimensão política e a dimensão da integração de serviços. Utilizando a idéia de continuum pode-se obter uma melhor visualização (baseado em Hambleton, 1998:1).
A dimensão do processo decisório se refere ao grau de descentralização de poder do centro para a periferia da organização, ou unidade descentralizada.
INFORMAÇÃO LOCAL ↔ PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS LOCAIS ↔ PROCESSO DECISÓRIO POLÍTICO LOCAL
(Nenhuma Decisão) (Alguma Decisão Local) (Processo Decisório Local Substancial)
Numa ponta tem-se a relação de serviços numa perspectiva mais localizada com o objetivo de melhorar o acesso público aos serviços das autoridades municipais. Movendo-se ao longo do continuum, a unidade local do Governo Municipal (administração regional) recebe mais poder decisório e é capaz de ampliar a prestação de serviços. Na outra ponta a administração regional obteria um grau de poder decisório em termos de políticas públicas mas tendo que seguir diretrizes
estabelecidas pelo Poder central.
Na dimensão política se comparam esquemas administrativos de descentralização com esquemas politicamente orientados.
APENAS FUNCIONÁRIOS ↔ ENVOLVIMENTO DE VEREADORES ↔ ENVOLVIMENTO DO PÚBLICO E DE GRUPOS DE INTERESSE.
A atividade administrativa ou gerencial na qual a participação do público e de políticos (como representantes do legislativo não é considerada. Caminhando no continuum encontramos esquemas que combinam descentralização com esforços para democratizar a prestação de serviços públicos que podem envolver a participação de políticos, consumidores ou comunidade. Na outra ponta existem esquemas de descentralização trabalhando no desenvolvimento de comunidades e estabelecendo espaços locais de decisão com envolvimento de políticos e representantes da comunidade, onde o gestor público tende a atuar como catalisador e negociador entre as diferentes partes envolvidas.
A dimensão de serviços se refere ao grau pelo qual a descentralização rompe com barreiras profissionais e burocráticas.
SERVIÇO ÚNICO ↔ COORDENAÇÃO DE VÁRIOS SERVIÇOS ↔ GERÊNCIA DE VÁRIOS SERVIÇOS
De um lado do continuum pode existir inicialmente o objetivo de tentar superar barreiras dentro dos departamentos. Um segundo ponto no continuum seria o esforço gerencial descentralizador em romper barreiras entre departamentos. Finalmente, o outro lado do continuum pode ocorrer uma descentralização de multi-serviços na unidade descentralizada assumindo um caráter intersetorial na prestação de serviços, de modo que o cidadão não precisa se mover de um departamento para outro.
Este caráter intersetorial nos serviços pode auxiliar na melhoria do uso dos recursos existentes, através de um conhecimento mais articulado dos problemas a serem enfrentados ou das ações a serem implementadas.
Além desse instrumental proposto por Hambletom (1988), um conjunto de características são apresentadas por Borja (1984) para que uma iniciativa descentralizadora seja um processo democratizador. Tais características são as seguintes:
• A unidade descentralizada deve ter uma estrutura política deliberativa e representativa, preferencialmente baseada em eleição direta.
• A unidade descentralizada deve ter autonomia para exercitar suas competências, os que significa que ela pode tomar decisões sem qualquer restrição a não ser aquela de caráter estatuário. Ou seja, a unidade descentralizada pode estabelecer suas próprias políticas.
• Ela tem um caráter global. Isto significa que ela não é limitada a uma especialização funcional.
• Ela deve ter um poder de decisão ou ao menos deve ter um papel importante no processo decisório.
• Ela deve ter capacidade de coerção para que suas decisões sejam executadas.
• Ela deve ter recursos próprios ou transferidos sem a utilização final preestabelecida, a não ser que o programa tenha sido estabelecido pela própria unidade descentralizada.
• Deve existir uma coordenação ou ao menos a unidade descentralizada deve ser capaz de, integrando Diferentes Seções de Departamento, ter um Coordenador de Área e
Trabalho em Grupo, um Gerente de Unidade Descentralizada e Trabalho Genérico, possibilitando acompanhar a ação das diferentes agências públicas na sua área e deve haver uma tendência progressiva para assumir a gerência, através de delegação de serviços que são prestados na sua área e que visem atender principalmente os habitantes da sua área de atuação.
• Deve desenvolver novos mecanismos de participação e atuação. Deve-se procurar desenvolver mecanismos de informação e comunicação entre o administrador e os administrados.
Assim, o processo de descentralização implica em mudanças que tendem a gerar conflitos decorrentes de resistências organizacionais, em distribuir poder de um lado e em assumir novas responsabilidades do outro. Ele também pode significar para a organização melhorias na sua eficiência e eficácia na medida em que a proximidade da realidade a ser trabalhada pode levar ao uso mais eficiente dos recursos e ao diagnóstico e tratamento mais adequados aos problemas. Para o gestor público ele se encontra em um contexto onde pode ter mais responsabilidades e recursos sobre a sua
disposição. Além disso pode se em contato mais constante com representantes da população da região onde atua. Observa-se que a descentralização pode ser um passo inicial para iniciativas mais profundas de intersetorialidade na medida em que através da dimensão dos serviços ela pode levar a organização a uma atuação intersetorial a partir das unidades descentralizadas.

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