segunda-feira, 14 de junho de 2010

ORAÇÃO AOS MOÇOS - UMA RECOMENDAÇÃO AOS ADMINISTRADORES PÚBLICOS DA UNIÃO


“Senhores:

(…)

Não estejais com os que agravam o rigor das leis, para se acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não há nada menos nobre e aplausível que agenciar uma reputação malignamente obtida em prejuízo da verdadeira inteligência dos textos legais.

Não julgueis por considerações de pessoas, ou pelas do valor das quantias litigadas, negando as somas, que se pleiteiam, em razão da sua grandeza, ou escolhendo, entre as partes na lide, segundo a situação social delas, seu poderio, opulência e conspicuidade. Porque quanto mais armados estão de tais armas os poderosos, mais inclinados é de recear que sejam à extorsão contra os menos ajudados da fortuna; e, por outro lado, quanto maiores são os valores demandados e maior, portanto, a lesão argüida, mais grave iniqüidade será negar a reparação, que se demanda.

Não vos mistureis com os togados, que contraíram a doença de achar sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fazenda; por onde os condecora o povo com o título de “fazendeiros”. Essa presunção de terem, de ordinário, razão contra o resto do mundo, nenhuma lei a reconhece à Fazenda, ao Governo, ou ao Estado.

Antes, se admissível fosse aí qualquer presunção, havia de ser em sentido contrário; pois essas entidades são as mais irresponsáveis, as que mais abundam em meios de corromper, as que exercem as perseguições, administrativas, políticas e policiais, as que, demitindo funcionários indemissíveis, rasgando contratos solenes, consumando lesões de toda a ordem (por não serem os perpetradores de tais atentados os que os pagam), acumulam, continuamente, sobre o tesouro público terríveis responsabilidades.

Magistrados futuros, não vos deixeis contagiar de contágio tão maligno. Não negueis jamais ao Erário, à Administração, à União, os seus direitos. São tão invioláveis, como quaisquer outros. Mas o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes.

Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a míngua nos recursos.

Os governos investem contra a justiça, provocam e desrespeitam a tribunais; mas, por mais que lhes espumem contra as sentenças, quando justas, não terão, por muito tempo, a cabeça erguida em ameaça ou desobediência diante dos magistrados, que os enfrentem com dignidade e firmeza.

(…)

Não militeis em partidos, dando à política o que deveis à imparcialidade. Dessa maneira venderíeis as almas e famas ao demônio da ambição, da intriga e da servidão às paixões mais detestáveis.

Por derradeiro, amigos de minha alma, por derradeiro, a última, a melhor lição da minha experiência. De quanto no mundo tenho visto, o resumo se abrange nestas palavras:

Não há justiça, onde não haja Deus.

(…)

Amigos meus, não. Compromissos daquela natureza, daquele alcance, daquela dignidade não se revogam. Não convertamos uma questão de futuro em questão de relance. Não transformemos uma questão de previdência em questão de cobiça. Não reduzamos uma imensa questão de princípios a vil questão de interesses. Não demos de barato a essência eterna da justiça por uma rasteira desavença de mercadores.

Não barganhemos o nosso porvir a troco de um mesquinho prato de lentilhas. Não arrastemos o Brasil ao escândalo de se dar em espetáculo à terra toda como a mais fútil das nações, nação que, à distância de quatro anos, se desdissesse de um dos mais memoráveis atos de sua vida, trocasse de idéias, variasse de afeições, mudasse de caráter, e se renegasse a si mesma.

Ó, senhores, não, não e não! Paladinos, ainda ontem, do direito e da liberdade, não vamos agora mostrar os punhos contraídos aos irmãos, com que comungávamos, há pouco, nessa verdadeira cruzada. Não percamos, assim, o equilíbrio da dignidade, por amor de uma pendência de estreito caráter comercial, ainda mal liquidada, sobre a qual as explicações dadas à nação pelos seus agentes, até esta data, são inconsistentes e furta-cores.

(…)

Eia, senhores! Mocidade viril! Inteligência brasileira! Nobre nação explorada! Brasil de ontem e amanhã! Dai-nos o de hoje, que nos falta.

Mãos à obra da reivindicação de nossa perdida autonomia; mãos à obra da nossa reconstituição interior; mãos à obra de reconciliarmos a vida nacional com as instituições nacionais; mãos à obra de substituir pela verdade o simulacro político da nossa existência entre as nações. Trabalhai por essa que há de ser a salvação nossa. “

Rui Barbosa
Trechos do discurso de Rui Barbosa, dirigido aos recém formados advogados da turma de Direito da Faculdade de São Paulo, em 1921. ATENTEM PARA A ATUALIDADE DA MENSAGEM!

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